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Whatever Lola Wants

Tentando sobreviver à vida no geral, e à humanidade em particular.

Whatever Lola Wants

Tentando sobreviver à vida no geral, e à humanidade em particular.

Carta a um incendiário

Exmo. Sr. Incendiário:

Venho de uma terra chamada Santa Cristina. É uma aldeia demasiado pequena para vir nos mapas, mas creio que o Sr. a conhece. Andou por lá ontem. E eu sei que sim, porque vim de minha casa a correr, para sufocar no fumo, consequência do trabalho de V. Exa, preocupada com as consequências que o mesmo poderia ter na minha terra, e nos que me são queridos.

Sou atrapalhada e descoordenada nos momentos de aflição, por isso não me fui armar em heroína junto do fogo, com medo de atrapalhar. E, francamente, não sabendo eu ajudar, os nossos bombeiros não precisam de plateia para trabalhar, por isso confiei neles e limitei-me a guardar o meu quintal e a minha avó.

Sabe o impacto psicológico que tem numa pessoa de 67 anos com problemas de saúde ver-se rodeada de fogo, sem capacidade física para se defender? Eu fiquei a saber.

Vi os meus primos a correr rua acima, rua abaixo, vermelhões e de faces queimadas do calor das chamas. Vi o meu irmão de 15 anos queimar o pé, porque uma faúlha lhe voou para a sapatilha. Os mais velhos esgotavam-se a tentar ajudar como podiam.

E sabe que mais, senhor incendiário? Ganharam. Os bombeiros, no fim das chamas dominadas, estavam completamente esgotados, deitados no chão do terraço de uma casa. Mas ganharam-lhe, senhor incendiáro, porque nenhuma casa ardeu e ninguém morreu, por isso correu tudo bem. Dentro dos possíveis, claro.

E correu tudo bem porque as pessoas se ajudavam sem olhar a quem, estavam todas unidas. No fim, quando tudo acalmou, as portas das casas abriram-se uns para os outros, para partilhar minis e uma pinga fresquinha. Imagine só, senhor incendiário: uniram-se contra o fogo e, no fim, foram comer e beber. Imagine o que seriam capazes se se unissem contra si - se fosse legal. Acabariam a comer leitão, enquanto o senhor acabaria a comer uma mistela qualquer de hospital. 

Isto porque o tuga tem muitos defeitos, mas está sempre lá para ajudar o vizinho, se ele estiver aflito. Obrigada vizinhos.

Agora, acho que dou voz à maioria das pessoas quando pergunto "porquê?". Pagaram-lhe bem para pegar fogo? Estava com frio neste Setembro gélido? Ou talvez seja uma tara para ver os aviões. Ou para aparecer na televisão. Ou, talvez, quem sabe, ande a acompanhar os bombeiros, voluntário solícido, e que assim se sinta um herói.

Com todo o respeito, o senhor é um grande filho da puta.

Um kiss e um cheese.