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Whatever Lola Wants

Tentando sobreviver à vida no geral, e à humanidade em particular.

Whatever Lola Wants

Tentando sobreviver à vida no geral, e à humanidade em particular.

Ao desconcerto do mundo

Há um soneto de Camões com o título deste post, e muito me tem dado que pensar. Mal o nosso Luizinho sabia que, cinco séculos volvidos, continuaria a fazer sentido o que ele escreveu.

Isto vem a propósito de várias situações do dia-a-dia, com de resto já vão estando habituados, - aliás, nesta altura do campeonato mais valia mudar o título do blog para "O que é que se passa com as pessoas?" - mas sobretudo porque comecei a ver uma série (que já todos tinham visto, menos eu) chamada "The Handmaid's Tale". 

Para quem não conhece, a história desenvolve-se num futuro distópico bastante próximo, onde a estrutura do governo americano mudou completamente e passou a ser comandado por fundamentalistas religiosos judaico-cristãos (que são tão maus ou piores ainda que os fundamentalistas religiosos islamicos). Neste futuro próximo, a poluição e as aletrações climáticas tornaram a grande maioria das mulheres estéreis, e as poucas mulheres férteis que existem são reunidas, é-lhes feita uma lavagem ao cérebro, e tornam-se uma espécie de úteros andantes, entregues nas casas dos senhores-fulanos-tais bem-casados para que eles as violem de uma forma cerimonial com a mulher a assistir, de forma a garantir a sobrevivência da espécie.

Bem...

Se não tivermos cuidado, lá vamos parar.

"Ai, que exagerada que tu és, Lola!" Não, não sou, amigos. Em 2019 o mundo divide-se em vários grupos de pessoas:

- Aqueles que, por diversos interesses, não querem saber de quem morre ou de quem vive nos anos seguintes, pois o que importa é que a nossa empresa esteja a funcionar porque:

a) dinheiro para uma reforma nas Canárias;

b) o ser humano é a coisa mais extraordinária do universo e é-lhe inata a necessidade de constante evolução, à custa do local onde vivemos;

(a alínea b) é muitas vezes usada como desculpa para a alínea a), contudo eu gosto de acreditar que há quem realmente tenha este pensamento) 

- Aqueles que lutam contra isto à bruta, a atirar pedras e caixotes do lixo às montras das lojas de quem vai ter um imenso prejuízo sem ter nada a ver com a manifestação & aqueles que lutam pacificamente, tentando igualar direitos entre todos os seres humanos e chamar a atenção para os problemas que vão surgindo.

(os primeiros são imbecis, os segundos super-heróis)

- Aqueles que têm um bom pensamento crítico mas o desperdiçam em redes sociais e blogs (estamos juntos, malta!)

- Os que não fazem nada. É que escrever coisas em redes sociais e blogs, ainda implica partir do princípio que alguém nos vai ler e concordar ou discordar de nós. O mais preocupante são as pessoas que adormecem enquanto são eleitos ditadores, e enquanto a democracia morre às mãos do dinheiro e do medo. Estas pessoas não votam, porque estão à espera que surja alguém que prometa protegê-las das desgraças e da corrupção. - este é o argumento de Trumps e Bolsonaros, e extremas direitas que voltam a nascer na Europa. São também os argumentos do regime de The Handmaid's Tale - a promessa de que tudo vai ficar bem se confiarem cegamente neles, mesmo que isso implique castigos como cortar membros ou arrancar olhos.

Há aquele cliché de que a ciência se opõe às emoções e à empatia e eu, muito a custo, vergo-me a esse cliché: nunca o ser humano foi tão evolído a nível científico e de armamento, nunca foi tão primata no que diz respeito à empatia. Por isso é que estamos tão próximos de arranjar curas para o cancro, para a sida e para outros flagelos médicos, e não conseguimos ainda lidar com quem tem depressão.

"Isso não é bem uma doença", É SIM, PORRA, e é uma doença que só existe porque o ser humano não se sabe colocar no lugar do outro. Os medicamentos são fabulosos e de suprema necessidade, sim, mas enquanto não nos aprendermos a questionar "se fosse eu no lugar dele, naquela situação e naquelas circunstâncias, o que é que eu faria?". Não é muito difícil, a sério. Logo vamos começar a substituir o "epá, anima-te!" pelo "eu compreendo-te, mas prometo que vai ficar tudo bem se vires as coisas nesta outra prespetiva". 

Falta amar. E não estou a falar no tinder nem nos engates de bar, nem em nada romântico sequer. Falta gostar de se ser um humano, de se admitir que todos temos emoções válidas, e a aceitarmo-nos todos como diferentes e válidos no mundo, porque se nascemos é porque temos um lugar a reclamar. Falta sair mais dos laboratórios para ver o pôr-do-sol. Falta comprar um bolo àquele mendigo. Falta olhar à volta e ver que o planeta em que vivemos merece ser estimado.

Diria ainda que falta poesia, mas que dos deuses nos livrem de me transformar numa influencer pseudo-literária da internet.

Um kiss e um cheese. 

"Não" é "não", não é "talvez" nem muito menos "sim"

Perdão pelo título à laia de Lili Caneças. Mas há coisas que infelizmente ainda precisam de ser explicadas como se o fizessemos a uma criança de quatro anos. 

Começo por contar uma história: há coisa de 4 anos, fiz uma roadtrip com os meus pais - sim, com os meus pais, não com um namorado nem com um grupo de amigos, e estou pouco importada para os julgamentos sociais das pessoas que não conheço. Começamos essas férias em Viana do Castelo, uma cidade linda de morrer e, como é lógico, subimos até Santa Luzia. Lá estava um senhor a fazer pela vida, tentando vender porta-chaves aos turistas e, quando abordou a minhã mãe, ela respondeu "não, obrigada". A isto o senhor retorquiu "não? é logo assim?".

pausa para respirar fundo 

NÃO É NÃO, E PONTO FINAL.

Isto já transcende o conceito de consentimento na relação sexual, que é um tema que está muito na moda, e ainda bem. Isto já tem a ver com o facto de não ser socialmente aceitável dizer que não, porque isso vai transtornar os outros. 

Venho escrever isto, porque a semana passada tive uma espécie de encontro desastroso, com um tipo que trabalha no mesmo centro comercial que eu, e que me convidou para beber um café, depois de deixar bem claro que me achava uma pessoa interessante. O interesse da minha parte, infelizmente, não foi recíproco, mas decidi ir beber café com ele na mesma, para tentar provar a mim mesma que não sou uma snob antissocial que só sai com tipos altos, espadaúdos e com uma bagagem cultural riquíssima. 

É claro que, meia hora depois de me ter sentado na esplanada com a criatura, concluí que sou, na verdade, uma snob antissocial que só sai com tipos altos, espadaúdos e com uma bagagem cultural riquíssima. Tudo bem, já tive encontros do género, mas quando manifestei o meu desinteresse e disse "não", fui respeitada e continuei a dar-me bem com as pessoas em causa.

Ora, qual o meu espanto, quando isto não aconteceu da minha vez: sei que sou uma pessoa muito seletiva nas pessoas com quem decido manter conversa, e há alturas em que não converso de todo, com absolutamente ninguém, porque só quero estar no meu canto. Caramba, cheguei a esconder-me de pessoas no corredor dos congelados no Continente, só para não fazer o sacrifício de forçar uma conversa de ocasião. 

Sucede que este ser humano não compreendeu isso, e depois de muito dizer "não", "não quero" e "não estou interessada em conversar contigo" (note-se que estamos a falar em algo tão simples como uma conversa do dia-a-dia), acabei por o bloquear nas redes sociais pois, como vocês sabem bem, eu vivo sem paciência. 

O que mais me incomoda neste tipo de situações, e depois ter de responder aos "porquês?". Por que é que não falas, por que é que não dizes nada, por que é que és assim, por que... merda. A sério. Justificações devo-as à minha mãe e à minha patroa, porque cada uma à sua maneira me pagam as contas. Até porque as pessoas não querem realmente saber o porquê de dizermos "não", querem uma oportunidade para argumentar e convencer a pessoa a dizer, pelo menos, "talvez".

... e depois há aquelas pessoas que realmente gostam de nós e que, quando nos veem atrapalhadas nos relacionamentos ou no trabalho nos dizem, e bem "tens de aprender a dizer que não". Caramba, nós dizemos que não, as pessoas é que não o aceitam e nos manipulam. Assim como nós manipulamos as outras pessoas, é algo que todos fazemos, mas que só sentimos na pele quando é direcionado a nós e andamos enervados e infelizes por causa disso.

Por isso fica aqui a minha sugestão, para as exatamente 5 pessoas que vão ler isto: vamos ampliar o estudo e a promoção do consentimento para lá do assédio sexual, e trabalhar a arte de deixar em paz quem quer ser deixado em paz, e que diz claramente que quer ser deixado em paz. Não temos de ser todos amigos e ir todos para os copos, podemos simplesmente ter uma mão cheia de pessoas de quem gostamos mesmo, e dizer bom dia ao resto do mundo de forma cordial e educada, sem ficar a dever explicações se um dia não o fizermos.

Um kiss e um cheese.

ps: para os imbecis que ficaram a pensar "a culpa é tua por teres aceite o café, agora desenrasca-te", shame on you.

ps2: Para quem não sabe o que é um "não", fica aqui um link, para futuro esclarecimento: https://dicionario.priberam.org/n%C3%A3o